Faça-me sentir!

A arte nos dá percepção de vida, e em contrapartida, nos lembra de nossa finitude.

Um texto sobre tudo o que nos comove, e também nos faz sentir vivos.

Paixão por uma boa história

Quando eu entrei na faculdade de Arquitetura da USP eu conheci o Bruno. E, logo nos primeiros dias, Bruno me apresentou o teatro musical. Na época ele se preparava para interpretar um personagem na peça Os miseráveis (Les Miserables) na escola de inglês onde lecionava. Mas acima de tudo, Bruno tinha verdadeira devoção à arte. Dedicação. Paixão. Era um fogo visível em seus olhos. E ele cantava a todo momento, em todos os lugares. Ou seja, não sentia a menor vergonha de aquecer a voz na frente de todo mundo. Bruno respirava o teatro musical, não estava nem aí para as maquetes e estudos urbanos.

Eu via aquilo com espanto e admiração.

Um dia tive a oportunidade de comprar o livro escrito por Victor Hugo, na feira da USP. Os Miseráveis, foi sem dúvida a obra mais impactante que já li! Me apaixonei pelos personagens e sofri. Chorei bastante.

When the beating of your heart
Echoes the beating of the drums
There is a life about to start
When tomorrow comes!

Les Miserables

Além disso, assisti duas vezes a montagem brasileira do musical em 2017. Inesquecível. E já vi as montagens originais no Youtube dezenas de vezes. Vi o filme, claro. Mas em todas o coração pulsa com a coragem revolucionária! Com o poder do amor! Nas cores, sons e nos ideais da Revolução Francesa!

Em resumo, o que eu sinto é uma sensação de gratidão por estar viva e ter capacidade de sentir tudo que esse romance épico me proporciona. De novo e de novo.

Fotografia: sentimento e memória

As fotografias impressas também nos fazem sentir, uma vez que nos transportam para experiências agradáveis_ou nem tanto_ vividas no passado. É o que Roland Barthes chamou de punctum da fotografia no livro “A câmara clara”. Por isso, imprima suas fotos! Mas não só isso! Coloque quadros de família na parede! Faça álbuns e os deixe em locais acessíveis, para serem folheados com frequência.

Não deixe suas imagens envelhecerem como jpgs! Jpgs não nos fazem sentir nada.

Quem sente, se sente melhor – e todos querem ser melhores!

Você já cheirou e apertou seu filho hoje? Esse ato libera a droga do amor, a ocitocina, o mesmo hormônio liberado no parto. Legal né?
A maternidade é um caldeirão de sentimentos! Quando nasce um filho automaticamente entramos em luto, pois morre nossa antiga identidade individual e renascemos mãe, uma dualidade mãe-bebê. É por isso que eu louvo tanto as grávidas de primeira viagem e as recém-mães. Por experiência própria, sei que elas precisam de apoio e incentivo para passarem pelos “60 dias de neblina“, como diz o nome do livro da escritora Rafaela Carvalho.

enchemos a vida
de filhos
que nos enchem a vida
um me enche de lembranças
que me enchem
de lágrimas

uma me enche de alegrias
que enchem minhas noites
de dias

outro me enche de esperanças
e receios
enquanto me incham
os seios

Trecho do livro Dois em um, Alice Ruiz 

Mas não são só as mães que experimentam descargas de ocitocina. Todos os seres humanos sentem esse bem estar ao estabelecer laços amorosos com outra pessoa. Esse também é um dos motivos por qual amamos histórias de amor. Pois elas nos dão aquele friozinho na barriga de um novo relacionamento humano, cheio de possibilidades e aventuras.

Pandemia e anestesia coletiva

A pandemia infelizmente nos trouxe a necessidade de anestesia. Pelo menos eu precisei me alienar, ou seja, me resguardar um pouco das notícias ruins. Caso contrário não conseguiria levantar de manhã da cama. E com duas crianças pequenas isso não é uma opção.

Olhando para trás, parece um mundo distante quando íamos ao teatro e a shows e experimentávamos a sensação de arrebatamento coletivo da arte. Enquanto isso, apenas ecoam na memória os aplausos sem fim de centenas de pessoas ao final dos concertos.

E nesse sentido, a morte precoce de Paulo Gustavo por Covid-19 doeu fundo nessa ferida. Desde o dia de sua internação eu acompanhei com apreensão. Minha madrugada mais desesperadora de síndrome do pânico coincidiu com o dia de sua intubação. Torci, rezei, mentalizei, como o Brasil todo. Mas os desígnios de Deus são misteriosos e, apesar de tudo, ele se foi. Deixou o palco para não mais voltar.

Cultura e resistência

I’m alive and vivo, muito vivo, vivo, vivo
Feel the sound of music banging in my belly
Know that one day I must die
I am alive

I’m alive and vivo muito vivo, vivo, vivo
In the Eletric Cinema or on the telly, telly, telly
Nine out of ten movie stars make me cry
I am alive

Caetano Veloso

E como disse Paulo Gustavo um pouco antes de partir: “Rir é um ato de resistência”. E acima de tudo a arte é catarse! É uma válvula de escape coletiva em tempos de limitações e sofrimento.

A morte do artista que fazia o Brasil rir ter acontecido dentro desse contexto de desamparo político em que vivemos é emblemática e, portanto, jamais deve ser esquecida. Poderia ter sido diferente.

Por ora apenas sentimos muito. Além de sentir medo, sentimos tanto, por todos os que sofrem.

Enquanto esse pesadelo não finda consumimos poesia, cinema, teatro, fotografia, livros, música…e toda forma de arte pungente.

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CAROLINA PEDROSA FOTOGRAFIA

Fotógrafa de Ensaios e Editoriais baseada em Holambra - SP